domingo, 19 de dezembro de 2021

OS PADRES POETAS

 

Como hoje é domingo mas não temos missa presencial, vamos falar um pouco sobre alguns padres versejadores da cultura gaúcha.  Os vates sacerdotes. Eu conheci quatro, mas deve ter bem mais. O Padre Paulo Aripe, o Potrilho do Alegrete, o Bispo Dom Luiz Felipe de Nadal, Amadeu Gomes Canellas, ainda entre nós, e o Padre Pedro Luis, autor do livro O Gênio do Pampa, obra que guardo na cabeceira de meu catre. Todos integrantes da Estância da Poesia Crioula. 




Pedro Luis Bottari nasceu no interior de Santa Maria no dia 29 de junho de 1905 e faleceu e ali no dia 23 de agosto de 1983. Segundo consta à página 28 do livro Italianos no Brasil: Contribuições na Literatura e nas ciências: séculos XIX e XX, de Antônio Mottin e Enzo Casolino (Porto Alegre: EDIPUCRS, 1999) publicou as seguintes obras: Modelo de Mãe ou Vida da Beata Ana Maria Taigi, em 1933; Cabriúna, poema, em 1950; O monumento, poema, em 1951; O Gênio do Pampa, poema cíclico do Rio Grande, em 1958; O diamante negro de Canoas – Tio Bastião Coelho, biografia, em 1960, e Pedro Tropeiro, poemeto, em 1971.

Religioso da Congregação de São Vicente Pallotti, exerceu suas atividades sacerdotais em diversas cidades, como Santa Maria, Cruz Alta e Porto Alegre, sempre se destacando nas comunidades onde viveu, tanto pelo seu ativismo como sacerdote como pelas iniciativas culturais.

Durante a fundação da Estância da Poesia Crioula salientou-se pelas intervenções, todas fiéis aos princípios preconizados pela Igreja Católica, e pelas preocupações com a preservação da memória histórica e cultural do Rio Grande do Sul. Tenho do poema O Gênio do Pampa – Poema Gaúcho a terceira Edição (Santa Maria: Livraria Editora Pallotti, s/d), com IMPRIMATUR datado de 25 de abril de 1958.

O Padre Pedro Luis conta no prefácio que escreveu para O Gênio do Pampa, que seu amor pelo Rio Grande nasceu quando, ainda menino, “mercadejava por Val de Serra os frutos da terra e outras traquitandas, cada semana”, ao lado do seu pai. Lembra as figuras dos negros “Dorotéio”, cujo verdadeiro nome era Doroteu, e de “siá Maria José de Oliveira, vulgo Maria Doceira – pau de coronilha, seu! – velha escrava do General Firmino de Paula”. Foi nesse ambiente campestre, entre a Serra e a Campanha, que se plasmou a personalidade lírico-épica do futuro poeta.

Sobre o Padre Luis Bottari, pesa, ainda, a influência de D. Aquino Correia (1885-1956), que pertenceu à Academia Brasileira de Letras, de 1926 até seu falecimento, como titular da Cadeira 34. O Arcebispo de Cuiabá, durante várias décadas, se tornou modelo para inúmeros poetas que passaram pelos seminários católicos, contribuindo para consolidar a influência parnasiana.

O Gênio do Pampa é a história do Rio Grande do Sul em versos. As notas que Padre Pedro Luis apõe aos seus versos demonstram um profundo conhecimento da historiografia sul-rio-grandense, até meados da década iniciada em 1950. O poema é todo escrito em redondilha maior (sete sílabas métricas), como a grande maioria da gauchesca.

Entretanto, enquanto os demais poetas do subgênero acentuam, mormente, na quarta e sétima sílabas, o poeta santa-mariense o faz na terceira e na sétima sílabas, o que confere um ritmo mais lento no seu versejar. Isso dá a impressão de que seus versos têm mais sílabas métricas do que apresentam. Trata-se de recurso, tipicamente “parnasiano”, para aproximar a redondilha do decassílabo, metro tradicional da poesia épica, apenas perceptível aos conhecedores das técnicas de versificação. Por outro lado, a maior parte do “Poema Gaúcho” é dividida em pequenos poemas, outra demonstração do domínio do poeta sobre a arte da versificação.

Poema do Padre Pedro Luis, que consta às páginas 127 e 128 de O Gênio do Pampa.

O PIÁ DA ESTÂNCIA

Mora um piá em cada estância,
Piá de marca primitiva,
Que na vida, desde a infância,
Só vê triste perspectiva.
Mártir de aspas e terneiros,
Anda sempre em roda viva,
Como os zainos tafoneiros.

Vai descalço. Aberto o peito
Da camisa, nada zela;
De chapéu tapeado a jeito;
Calça lôbrega e amarela.
Letras, zero; lume, escasso;
Fuma oculto, com cautela,
E usa à cinta um palmo de aço.

Galopim de cem recados,
Guarda de almas, cusco e aves,
Sofredor de maus bocados;
Cria espúria de ares graves;
Corre à voz que grita e espinha;
Ceva o mate atalha entraves,
E resmunga na cozinha.

Velha vítima dos gritos,
Sonha um lenço colorado;
Traz os ecos dos aflitos,
E, qual fungo de silvado,
Cresce à toa e na desgraça,
Mas já pensa, consolado,
Desquitar-se na cachaça.

Órfão de almas, sem afeto,
Sem perfume de linguagem,
No galpão está sem teto,
Junto aos cães, que não reagem.
Come a um canto a vil merenda...
Flor crioula da paisagem,
Vive à margem da fazenda.


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