sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

JOÃO DA CUNHA VARGAS

 



João da Cunha Vargas nasceu em 28/12/1900 e não foi além das primeiras letras e, como ele mesmo costumava dizer, não era ‘muito manso de livros’. Certamente aprendeu os segredos que nos conta ao ranger dos bastos e no tranco das tropeadas, talvez por isso sua poesia mais que repete o que o povo diz, ela tem uma inscrição pessoal poucas vezes vista.


DEIXANDO O PAGO

 

Alcei a perna no pingo

E saí sem rumo certo

Olhei o pampa deserto

E o céu fincado no chão

Troquei as rédeas de mão

Mudei o pala de braço

E vi a lua no espaço

Clareando todo o rincão.

 

E a trotezito no mais

Fui aumentando a distância

Deixar o rancho da infância

Coberto pela neblina

Nunca pensei que minha sina

Fosse andar longe do pago

E trago na boca o amargo

Dum doce beijo de china.

 

Sempre gostei da morena

É a minha cor predileta

Da carreira em cancha reta

Dum truco numa carona

Dum churrasco de mamona

Na sombra do arvoredo

Onde se oculta o segredo

Num teclado de cordeona.

 

Cruzo a última cancela

Do campo pro corredor

E sinto um perfume de flor

Que brotou na primavera

À noite, linda que era

Banhada pelo luar

Tive ganas de chorar

Ao ver meu rancho tapera.

 

Como é linda a liberdade

Sobre o lombo do cavalo

E ouvir o canto do galo

Anunciando a madrugada

Dormir na beira da estrada

Num sono largo e sereno

E ver que o mundo é pequeno

E que a vida não vale nada.

 

O pingo tranqueava largo

Na direção de um bolicho

Onde se ouvia o cochicho

De uma cordeona acordada

Era linda a madrugada

A estrela d'alva saía

No rastro das três marias

Na volta grande da estrada.

 

Era um baile, um casamento

Quem sabe algum batizado

Eu não era convidado

Mas tava ali de cruzada

Bolicho em beira de estrada

Sempre tem um índio vago

Cachaça pra tomar um trago

Carpeta pra uma carteada.

 

Falam muito no destino

Até nem sei se acredito

Eu fui criado solito

Mas sempre bem prevenido

Índio do queixo torcido

Que se amansou na experiência

Eu vou voltar pra querência

Lugar onde fui parido.


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